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  • Andrea Spada

O que fez eu me identificar com a escola bresciana #2

É impossível falar de luteria sem mencionar o contexto musical no qual está inserida, pois ambas são interconectadas e dependem uma da outra. Sabemos que a música produzida em Brescia entre os séculos XVI e XVII era, primeiramente destinada a grupos de câmara. Já nos territórios influenciados pela Espanha, estava cada vez mais popular o repertório solista e, justo em Cremona, vemos a aparição de Claudio Monteverdi o qual, nesse período, revolucionou a linguagem musical da época, introduzindo elementos como o basso continuo e uma rica instrumentação.

Brescia era uma cidade com sua própria vida cultural, mas que se correspondia diretamente com Veneza, cidade riquíssima especialmente à época. Fonte: Café com Luteria (M. Mayer).

A influência dele foi tão significativa que, além de ter popularizado o violoncelo e, talvez, motivado a substituição da viola da gamba, parece ter alimentado significativamente a produção musical da cidade e seus entornos, possivelmente fazendo com que a produção da luteria cremonense viesse a crescer não somente em termos práticos, como de prestígio, motivando assim a encomendas da corte espanhola. Temos disso apenas indícios circunstanciais.


Porém, talvez o mais importante elemento que devemos considerar é que, diferentemente de Cremona, com sua visão mais formal e técnica, a concepção dos instrumentos em Brescia sempre foi estritamente ligada a seu uso prático. Digo, os próprios luthiers brescianos eram músicos, como já vimos, e temos registros de que participavam de forma ativa, se apresentando em conjuntos renomados. Essa também foi talvez a primeira informação que me impactou profundamente, e com a qual imediatamente me reconheci.


Posso entender facilmente o quanto possa ser diferente encarar a luteria do ponto de vista estritamente artesanal, ou do ponto de vista mais utilitário, de músico... Um exemplo claro dessa diferença conceitual pode ser vista na questão ergonômica: os instrumentos de Brescia se destacavam, já na época, por terem mais volume e projeção, e por serem mais confortáveis que os outros, mesmo que não sempre refinados e bem acabados como os de Cremona. Por exemplo, a relação entre o braço e a mensur (distância entre o encaixe do braço e o cavalete) era diferente da distância usada na cidade dos Amati: em geral, cerca de 2:3 [6].

Comparação entre violino barroco (1) e violino moderno (2). Diagrama de G. Stoppani. Fonte: [7]

Os brescianos não seguiam uma regra proporcional estrita. Pareciam seguir um conceito de ergonomia não formalmente determinado, mas sim empírico, talvez até mesmo "sob medida". O acesso às posições superiores era facilitado - pois o cavalete se encontrava mais próximo ou exatamente ao centro geométrico do modelo. Isso valia também para os instrumentos maiores.


Em Cremona, os violoncelos foram se estruturando até chegar a uma proporção entre braço e mensura de 7:10, mantida até hoje. Na época, em Brescia se faziam apenas violones - pequenos, médios ou grandes - e seus braços também parecem ter seguido uma regra dimensional peculiar, que infelizmente não temos como rastrear [4]. Porém, conversando com o Joel Quarrington, renomado contrabaixista canadense, que possui um contrabaixo (originalmente um violone?) do Santo Paolo Maggini de 1660 - um dos primeiros a retomar a escola Bresciana depois da praga - pude confirmar que o braço original de seu instrumento (que ele possui!) era de fato mais curto do que os Cremonense considerariam apropriado à época (também ligeiramente mais curtos que os atuais) produzindo assim um comprimento de corda menor do esperado.


Estas também são descobertas que acabaram confirmando a preocupação ergonômica que só quem toca esses instrumentos acaba percebendo como necessária - ainda mais com cordas de tripa! - e que também tem confirmação não apenas no evolução das violas, como na revolução que aconteceu entre o séc. XVII e XVIII no conceito do violoncelo [4].

 

[1] LIVI, Giovanni. I Liutai celebrati dal Lanfranco. In: I Liutai Bresciani. Milão: 1896.

[2] DILWORTH, John. The Brescian School. Disponível em: tarisio.com/cozio-archive/cozio-carteggio/brescia-part-1/. Acesso em: 07 ago 2021.

[3] MUCCHI, A. M. Gasparo da Salò: La vita e l'opera 1540-1609. 1978.

[4] BONTA, Stephen. From Violone to Violoncello: A question of strings? Disponível em: http://earlybass.com/articles-bibliographies/from-violone-to-violoncello-a-question-of-strings-3/ Acesso em: 06 jul 2021.

[5] LIVI, Giovanni. I più antichi maestri, secondo i documenti. In: I Liutai Bresciani. Milão: 1896.

[6] POLLENS, Stwart. Some Misconceptions about the Baroque Violin. Claremont Graduate University: 2009.

[7] WEBBER, Oliver. What is a "Baroque violin"? Authenticity, labelling and compromise. Disponível em: http://www.themonteverdiviolins.org/baroque-violin.html. Acesso em: 09 ago 2021.

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