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A fixação da crina nos arcos (Parte 1)

Lembro-me quando era criança de construir aquele que seria o primeiro de meus arcos: um arco para atirar flechas feito em ipê [1]. Naquele dia, meu pai me ensinou, consciente ou inconscientemente, a arte de cortar, aplainar e curvar madeira a quente, como também acabou por me ensinar os princípios para se esculpir a ponta de um arco, cujo formato tem o objetivo de suportar o tensionamento da corda para atirar flechas.

Quem já teve a oportunidade de manusear um arco e flecha talvez tenha tido a curiosidade de dedilhar a corda do arco e deixá-lo vibrar livremente. Apesar de não entendermos a razão disso acontecer, ou do porquê fazemos isso, essa realidade nos impressiona e nos impele a fazer indagações filosóficas sobre o “ser” das coisas.


Fato é que uma corda está sendo tracionada por uma madeira arqueada. A utilização da resiliência da madeira por meio do seu arqueamento é certamente um princípio muito antigo, tanto para usar o efeito de mola para tensionar ou tracionar; como para o efeito de relaxamento que transforma a energia potencial em cinética.


Quem nunca pegou um pauzinho e tentou escorar ou prender alguma coisa flexionando-o e travando suas extremidades [2]?

Embora o uso desse “princípio” para a reprodução de sons em instrumentos musicais possa ser relativamente “recente” comparado ao princípio de arqueamento de uma vara, estima-se que entre 3 e 5 mil anos atrás já havia uma concepção relativamente definida sobre o uso do arco na música.


Há um consenso de que é muito difícil precisar uma data de origem, ainda que indícios apontem que o uso do arco na música tenha vindo do oriente. No entanto, desde tempos remotos, o arco como parte de um instrumento musical, em sua essência, nada mais era do que uma vareta curva tensionada por uma quantidade de fios de crina.


Nos arcos conhecidos ao longo da história, o método de se prender a crina nos arcos, na maioria dos casos, era a maneira mais simples possível: uma amarração [3]. Às vezes, ela era passada por uma fenda e depois amarrada. Em outros casos, ela era presa à uma tira de couro e, eventualmente, fixada à extremidade trabalhada em uma vara de bambu. Essas técnicas eram muito semelhantes ao que poderia ser usado também num arco para atirar flechas.

Desde o séc. VIII a crina de cavalo parece ter sido consolidada, quase que com exclusividade, como material a ser usado nos arcos para fricção de cordas em instrumentos musicais. Sua amarração era feita como a de outros arcos. Existem ilustrações do séc. XV que mostram com riqueza de detalhes que até então a crina era simplesmente amarrada à ponta [4].


Até este momento da história, ainda podem ser encontradas semelhanças na amarração entre a corda do arco de caça e a crina do arco de instrumentos musicais. É o caso da amarração da corda do arco longo inglês em comparação com a ilustração de Lucan van Leyden, de 1524, dos países baixos.


Na sequência do tempo há ilustrações que apresentam arcos com uma parte mais pronunciada onde ficaria o talão, com a crina presa nele [5]. Aparentemente a crina era amarrada com linha, em algo parecido com uma forquilha que retinha a amarração e seria de fácil montagem.


Infelizmente, nem todas as ilustrações conseguem trazer uma riqueza de detalhes minuciosos como os de um encaixe de uma crina em um arco. No entanto, é possível notar que, durante um período da história, uma vez que o arco era montado, a tensão da crina era invariável, assim como a distância da vareta até a crina.


Essas características foram trabalhadas ao longo do tempo para que pudesse se obter uma melhoria na produção sonora e nas suas articulações, ou também, podem ter sido adaptadas para proporcionar maior conforto ao músico.

 

[1] Fonte: O autor, 1994.

[2] Fonte: https://pt.wikiloc.com/trilhas-trekking/morro-do-canal-6666325/photo-3713515

[3] Fonte: Byam, Michele; Machado, Raúl de Sousa. Armas e Armaduras, Verbo, Lisboa, 1921.

[4] Detalhe, Lucas van Leyden, 1524 Jost Amman, 1568 Germanisches Nationalmuseum Nürnberg. Fonte: Karl Roy. The Violin Its History and Making, International Violin Company, Baltimore-USA, 2006.

[5] Ercole de Roberti, Ferrara, 1456/1496 National Gallery, Londres. Fonte: Karl Roy. The Violin Its History and Making, International Violin Company, Baltimore-USA, 2006.

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