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  • Andrea Spada

Escola bresciana #3 Método de Construção

Sabemos, com certeza, que em Brescia não existia o uso da forma interna, típico da escola Cremonense [2]. Os instrumentos eram desenhados, através do uso de compassos e réguas de proporção - típicos da época - no próprio fundo ou tampo; uma vez escavado - ou aplainado, no caso de fundos chatos - o bloco de fundo era esculpido e em seguida colado a ele; as faixas, uma vez dobradas, eram coladas diretamente à superfície ou coladas dentro de um pequeno sulco, feito à moda do filete. Muitas vezes não eram presentes nem blocos às pontas, nem contrafaixas, e apenas tecido era colado para reforçar a junção das mesmas. O braço era quase sempre colado diretamente ao fundo e às faixas usando seu próprio pé como bloco, como ficou em uso por muito tempo nos países germânicos.


Contrabaixo feito por Andrea Spada. Fonte: o autor.

Devo admitir que pouco desse método me é possível aproveitar: eu uso forma interna, blocos e contrafaixa ao estilo cremonense - na minha opinião, uma evolução, mais do que a rejeição de um método. Por outro lado, dispenso, em muitos casos, o uso de gabaritos e prefiro o uso de compasso e réguas de proporção para muitos elementos, como o traçado dos efes, posicionamento de travessas e para determinar o andamento das quintas de curvatura, bem como para determinar a espessura de tampos e fundos. Portanto, sem querer, acabei me descobrindo no meio das duas escolas, trabalhando de forma híbrida.


Algo que desperta em mim profunda admiração na produção Bresciana é sua grande consistência estilística, ao mesmo tempo que se mantêm fluida e espontânea, mesmo quando um instrumento é realizado em muitas escalas diferentes. Por exemplo, Gio Paolo Maggini fez violinos com corpo de 350mm a 373mm, basicamente todos com o mesmo desenho ou quase, ao ponto de conseguir sobrepor as fotos deles quase que perfeitamente. Isso depois de quase quatro séculos!



É evidente que, mesmo não usando forma interna, esses artistas tinham pleno e profundo conhecimento das proporções e ferramentas de desenhos tanto práticas quanto conceituais necessárias ao desenvolvimento de um modelo, coisas que para nós é ainda algo de difícil compreensão, e de mais ainda difícil realização. Fico imaginando o que seria de muitos de nós se tivéssemos que realizar o contorno interno de todo instrumento usando apenas réguas e compassos...

Contrabaixo inspirado em G. da Salò feito por Andrea Spada. Fonte: o autor.

Essa consistência estilística se apresenta em todos os instrumentos, de violinos a violones, violas da gamba, cistros e alaúdes. O próprio Gio Paolo Maggini produzia violones nas três medidas diferentes em uso na época - pequena, média e grande - com a mesma consistência de estilo, mesmo levando em conta os ajustes realizados para lidar com a questão ergonômica. Infelizmente, apenas dois desses sobreviveram em condições inalteradas, ou quase. Os pequenos viraram violoncelos, os grande contrabaixos e, os médios, pequenos contrabaixos de solista, comparáveis à atual medida de 1/2.


Também vemos em Brescia uma produção muito heterogênea mantendo-se por todo seu período, mesmo no início do séc XVII, com Gio Paolo Maggini. E nisso também me identifico bastante, pois gosto de transitar livremente entre os períodos clássico, barroco, renascentista e contemporâneo, indo de alaúdes a contrabaixos, de violas da gamba a instrumentos semiacústicos. Já em Cremona, muito rapidamente o violino acaba ocupando um lugar quase que absoluto; alaúdes e violas da gamba quase deixam de serem produzidos, chegando ao ponto de quase não termos exemplos de contrabaixos (violones?) da época vindo de lá, com exceção de dois Amati (um muito provavelmente erroneamente atribuído) [5].


Citamos o fato de que, em muitos casos, os instrumentos oriundo de Brescia não eram tão bem acabados quantos os vindo de Cremona. Este é certamente uma grande diferença entre as duas escolas, que está diretamente ligada à diferente concepção que os instrumentos recebiam nos diferentes contextos, como também

à diferente época nas quais elas se desenvolveram.


Os espécimes mais antigos da escola de Brescia são ainda profundamente renascentistas, apresentando sempre ricas ornamentações, pinturas e esculturas exuberantes. É durante o período da produção de Gasparo de Salò que vemos justamente uma mudança significativa, indo de elaboradas e refinadas ornamentações ao extremo do pragmatismo. Gio Paolo Maggini, tendo vivido na geração seguinte, pôde realizar uma transição mais madura verso uma proposta formal mais enxuta mas ao mesmo tempo mais definida em seus aspectos estilístico marcantes, como o uso constante do duplo filete. No meu caso, mantenho o gosto de não esconder o uso das ferramentas e de suas marcas, algo também constante na estética bresciana.


Vemos uma transição parecida na obra de Andrea Amati, caracterizada por instrumentos ornados, segundo o gosto da época, mas cada vez menos na obras dos cremoneses que o seguiram, até finalmente desaparecer até o final do séc XVII. Portanto, é de certa forma injusto comparar o acabamento de uma escola a outra, sem considerar que as duas não só não foram contemporâneas de fato, tendo tido cerca de 70 anos de diferença entre seus respectivos auges, como também devemos sempre considerar que as duas receberam influxos culturais distintos, e a segunda pôde também se apoiar em uma longa tradição desenvolvida a poucas dezenas de km de distância. Importante também ressaltar que a Itália, naqueles tempo, existia apenas como entidade geográfica: regiões aparentemente próximas falavam não apenas idiomas diferentes (isso até o início do séc XX!), como eram parte de reinados e culturas diferentes, como já brevemente apresentado.


As mudanças aconteciam muito bruscamente, e raramente de forma indolor, com frequência, causando perdas irreparáveis na cultura e expressão artística de cada lugar. Brescia e sua escola liutaia, não escaparam; entre 1630 e 1631, a cidade foi palco de uma das últimas e mais mortíferas epidemias de peste negra. Giovanni Paolo Maggini, seus aprendizes, todos os outros luthiers, como também a maioria dos outros artistas faleceram, deixando a cidade em quase completo abandono por quase duas décadas. Perdemos para sempre o elo com suas mais antigas tradições. Mas não perdemos a capacidade de nos surpreender e maravilhar com a ousadia de seus mestres.

 

[1] LIVI, Giovanni. I Liutai celebrati dal Lanfranco. In: I Liutai Bresciani. Milão: 1896.

[2] DILWORTH, John. The Brescian School. Disponível em: tarisio.com/cozio-archive/cozio-carteggio/brescia-part-1/. Acesso em: 07 ago 2021.

[3] MUCCHI, A. M. Gasparo da Salò: La vita e l'opera 1540-1609. 1978.

[4] LIVI, Giovanni. I più antichi maestri, secondo i documenti. In: I Liutai Bresciani. Milão: 1896.

[5] POLLENS, Stwart. Some Misconceptions about the Baroque Violin. Claremont Graduate University: 2009.

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