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A fixação da crina nos arcos (Parte 2)

Houve modelos de arcos retratados em ilustrações do séc. XVI que permitiam a manipulação da tensão da crina no momento de se tocar o arco, apertando ou soltando a mão contra um tipo de “cavalete”, que na verdade se parecia muito com um talão. Tal “cavalete” se localizava entre a crina e a madeira do arco na porção mais próxima da empunhadura. Numa analogia precária, seria como apertar o estandarte de um violino contra o seu tampo com a intenção de aumentar a tensão das cordas.

Talão crina arco violino
Talão Clip-in, Victoria and Albert Museum, Londres. [1]

Foi possível identificar pela literatura o surgimento da técnica da mortasa, isto é, um orifício no qual a crina seria encaixada e presa de maneira segura no arco e o período provável do uso mais difundido deste sistema remete ao séc. XVII, em que é descrita a existência de 2 orifícios nas extremidades do arco. Isso pode ser observado num modelo Clip-in, no qual havia um talão com a crina fixado numa das pontas e na outra extremidade num orifício na própria vareta. [1]


O talão era acoplado rapidamente entre a crina e a vareta tensionando a crina de maneira imóvel. Após o arco do tipo clip-in, houve o aprimoramento desse mecanismo com o que foi chamado de “Cremalier” (Crémaillère) ou cremalheira, provavelmente devido à semelhança com um cabide, ou gancho, de panelas com regulagem de altura que antigamente tinha a função de segurar panelas ao fogo, chamado de tremmel hook em Inglês (veja imagens [2]).

O mecanismo de funcionamento era semelhante, a dentes de serrote, travando com uma argola que envolve a madeira do arco e é presa no talão (figura [3]). Desta forma, deslocando a argola nos dentes que ficam na vareta do arco, do lado oposto ao talão, era possível esticar ou afrouxar a tensão da crina, com uma das extremidades da crina fixa no talão.

Viena cremalheira cremalier arco violino
Detalhe do mecanismo chamado de cremalheira. Coleção da Sociedade dos Amigos da Música, Viena. [3]

Ainda no séc. XVII, apesar dos parafusos metálicos já serem conhecidos e utilizados nas armas de fogo por exemplo, na prática, a sua utilização em arcos passou a ser mais difundida de acordo com a oferta destas peças. Podemos imaginar que a falta de padrão e disponibilidade de parafusos próprios para arcos condicionaram o seu uso.


No entanto, para usar um sistema de talão móvel como a cremalheira ou parafusos, a fixação da crina não poderia mais ser feita na vareta pois ocuparia parte da estrutura necessária para a fixação da crina na madeira do arco, que passou a ser feita diretamente no talão. Neste período da história, a forma da fixação da crina em pequenos orifícios já estava consolidada. Observando os modelos de arcos barrocos é possível notar com clareza que a crina era fixada na ponta e no talão com o mesmo princípio: um orifício na extremidade com um maço de crina amarrada, presa com taquinhos de madeira, que, em conjunto, proporcionam um efeito de auto travamento do sistema quando a crina é tensionada.


Posteriormente, com Nicholas Pierre Tourte (pai), inicialmente marceneiro; Nicolas Léonard Tourte, filho mais velho de um segundo casamento de Tourte, que seguiu a profissão do pai; e François Xavier Tourte que teria aprendido relojoaria dos 12 aos 20 anos de idade; o talão ganhou novas configurações com a utilização de um anel (tendo sido sua criação atribuída ao Léonard Tourte), por onde a crina passava na saída do talão que aparentemente tinha a função de mantê-la em determinada disposição. Na sequência, também passou a ser usada uma madrepérola para fechar a saída da crina no talão.


O último estágio de aprimoramento da técnica de fixação da crina como conhecemos hoje foi a adoção da utilização de uma cunha de madeira para alargar o feixe de crina por entre este anel. Esse detalhe também foi atribuído aos irmãos Tourte, que trabalharam juntos por muito tempo e conseguiram alcançar grande sucesso aliando diversos conhecimentos, tanto de ourivesaria quanto de relojoaria e marcenaria fina.


Fixar bem a crina é primordial, entretanto, igualmente o é a distribuição e alinhamentos uniformes que precisam ser feitos e mantidos consistentes e estáveis, porque um é dependente do outro. Para isso o entendimento sobre o mecanismo de funcionamento do sistema de fixação da crina precisa ser dominado com as diversas possibilidades de técnicas existentes, que tem por finalidade manter a crina com a melhor disposição no arco, de forma eficaz, para que o músico possa aproveitar das potencialidades do arco ao máximo.

Ponta de arco de violino no suporte. [4]

De nada adiantaria fixar perfeitamente uma crina que, após ser penteada, ficasse desemparelhada, ou mesmo, mal distribuída. A consequência seria um encrinamento irremediavelmente ruim. De igual forma, por melhor que sejam os taquinhos, eles nunca serão capazes de fixar um feixe de crina com uma amarração frouxa. A forma dos encaixes segundo a técnica referida neste texto segue os princípios das imagens a seguir [5].

Violino crina talão
Representação da disposição dos taquinhos e da crina na ponta e no talão de um arco de violino. [5]

A chave para conseguir realizar bem todo processo é praticar bem a análise do sistema completo de fixação, e, claro, praticar o pentear e a amarração da crina, sobretudo usando uma matéria prima de qualidade. Por fim, criar parâmetros de conferência durante o processo, como um fluxograma, onde cada etapa não pode avançar se a anterior não tiver sido realizada de maneira eficaz. Isso garante a cadeia de bons resultados.

 

[1] Fonte: Karl Roy. The Violin Its History and Making, International Violin Company, Baltimore-USA, 2006.

[3] Fonte: Karl Roy. The Violin Its History and Making, International Violin Company, Baltimore-USA, 2006.

[4] Foto: Rosana Mottinha. Fonte: o autor.

[5] Créditos da Imagem: Matheus H. S. Mayer.

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