Fornecedores especializados em vender madeiras para instrumentos musicais geralmente registram ano em que as peças foram serradas. Rivolta, Drewbass, Ciresa... são exemplos de empresas que tem este cuidado. Minimamente, dá ao luthier uma ideia do quanto de tempo a peça de madeira "secou" naquele atual estado. Assim, pode tomar decisões de em quanto tempo a peça poderia ser usada.
Se tenho uma peça de acero cortada em 2018, no ano de 2021, não teria nem 3 anos de secagem. É possível pensar que peça não está seca o suficiente. Porém, usando um medidor de umidade (imagem 1), ele indica que sim, a peça está com a umidade abaixo de 12% e, portanto, já perdeu grande parte da umidade intrínseca. Comparando com outra peça de acero (imagem 2), aclimatada há 4 meses no mesmo ambiente, porém, cortada há muito mais tempo (2000), notamos que a umidade é parecida. Sendo parecidas, podemos pensar que a umidade medida varia de acordo com a umidade relativa do ar.
É a tal da umidade de equilíbrio, que pode variar bastante dependendo do ambiente de armazenamento. Só para ter uma ideia, durante pesquisa sobre aclimatação de madeiras, L. Mombach calculou a umidade de equilíbrio (para madeiras aclimatadas em Curitiba) numa média de 16,5%, com base em dados metereológicos de 2007 a 2017. Ou seja, é uma estimativa se a peça ficar ao ar livre. Em Brasília, a umidade de equilíbrio foi estimada entre 8,7 a 15,8%, para uma peça de madeira ao ar livre, variando durante o ano (1981).
A título de exemplo: numa peça de imbuia com 20cm de largura, isto representa uma variação de 3mm na dimensão tangencial por conta do ganho e perda de umidade (confira o estudo).
Imagine só: 3mm de deformação separam 47% e 79% de umidade! Por isto tantas pessoas recomendarão o cuidado na hora de armazenar suas madeiras.
Agora, digamos que conseguimos baixar a umidade da peça (igual a peça de acero mencionada). Ora, já não seria hora de usá-la?
Talvez... Já notaram que, durante a construção de violinos com uma peça de madeira relativamente "nova" (por exemplo, com 2 ou 3 anos de corte), depois de entalhar uma das faces do tampo ou no fundo, a madeira tende a curvar-se para fora? O mesmo pode acontecer durante a construção de instrumentos com peças planas de madeira, como violões. Logo depois, ao escavar a parte interna, lá vai o tampo ou fundo vergar para dentro. Esta instabilidade pode acontecer por razão da própria perda de umidade, que gera tensões na madeira. A peça estava "tensa" e foi relaxada com o corte.
Afinal, o que acontece para que mesmo peças com umidade equilibrada não estajam estáveis? O seguinte esquema pode ajudar a entender:
Esquema de tensão criada pela umidade -- exemplo de empenamento por conta da saída de água e posterior relaxamento das tensões. Adaptado de Eiichi Obataya [2]
Na figura, a mola da esquerda representa a celulose, cristalina e insolúvel. A mola e o "pistão" ao lado representam a parte amorfa e solúvel das madeiras (principalmente composta por lignina, hemicelulose e água). Quando a água sai, é a parte da direita que tende a esticar, ocupando espaço, mas não se ajusta imediatamente. Por isto a mola esticada: a estrutura fica tensa. A celulose é mais rígida, mas ainda assim sofre deformação com a perda de umidade.
A agua sai mais rápido do que os componentes solúveis conseguem se esticar no "novo espaço". Será necessário mais tempo até que eles se estiquem e estabilizem. O resultado é que a perda de água cria tensões internas, inclusive na celulose, que cede. Resultado: deformações. Estas tensões deveriam ser relaxadas com o tempo, enquanto os componentes amorfos e solúveis vão se acomodando.
É possível notar este tipo de deformação (provocada pela perda de umidade) ao deixar uma peça de madeira secar ao sol com uma das faces encostada numa superfície. A face externa encolhe mais do que a face que ficou encostada, vergando a madeira.
Usando esta forma de ver, não basta aguardar que a água saia da madeira. Mas também é preciso esperar que as tensões sejam relaxadas.
Disso vem a importância do chamado seasoning, em inglês, ou stagionatura, em italiano. Por exemplo, após o corte do tronco, a Ciresa deixa suas peças de abeto passarem as estações durante 4 a 5 anos.
Quanto tempo demora exatamente para a madeira estabilizar? Depende das dimensões da peça, da umidade do ambiente... podemos pensar em 4 a 5 anos para uma peça (cunha) de tampo de violino em local com umidade controlada (entre 50 e 60%, por exemplo). Porém, é difícil precisar se a peça está estável, pelo menos, até cortá-la e notar se ela deforma.
Em todo caso, quanto mais tempo em condições controladas de umidade do ar no local de armazenagem, mais garantida é a estabilização! E isto, num processo lento, evitando a saída repentina de água (que pode causar rachaduras, especialmente no topo).
É mais certo que menos de 2 anos de corte é pouco para ser usada. Exemplo nas figuras: comparando uma peça de Abeto de 2020 (4) com outra peça de Abeto de 2000 (5), fica mais claro como a peça de 2020 ainda é muito nova. Também aclimatadas na mesma sala há 4 meses. Veja que a madeira mais velha apresenta a umidade evidentemente mais baixa.
Volta e meia vemos liutaios mostrando tampos e fundos secos por mais de 10 anos. As madeiras cantam! Ao mesmo tempo, quanto mais estáveis, também tendem a absorver menos água -- até certo ponto, a estabilização é irreversível. Além disso, a aparência marrom-escura é um atrativo que se torna objeto de desejo.
Mas esperar mais de 10 anos para usar uma madeira? E o custo de manter peças as peças em armazenamento? Construir violinos pode ser bastante custoso do ponto de vista de compra de madeiras. A secagem e estabilização são fatores complicadores extras. Sempre vale a recomendação: balancear prudência e custo.
[1]MOMBACH, Leandro H. M.. Considerações climáticas na Luteria para exportação. DAPesquisa, Florianópolis, v. 13, n. 20, p. 085-098, 2018. DOI: 10.5965/1808312913202018085. Disponível em: https://www.revistas.udesc.br/index.php/dapesquisa/article/view/1808312913202018085
[2] OBATAYA, Eiichi. Effects of natural and artificial ageing on the physical and acoustic properties of
wood in musical instruments.
Journal of Cultural Heritage. v. 27.
69, 2017.
Disponível em: https://www.sciencedirect.com/journal/journal-of- cultural-heritage/vol/27/suppl/S
Meus parabéns pelo artigo. São informações assim que nos permitem aprimorar e ampliar os conhecimentos na área.